Notícias › 16/08/2018

Catequese IV: O grande sonho de todos

Cidade do Vaticano

Senhor Jesus Cristo, Vós que nos ensinastes a ser misericordiosos como o Pai celeste, e nos dissestes que quem Vos vê, vê a Ele. Mostrai-nos o Vosso rosto e seremos salvos. O Vosso olhar amoroso libertou Zaqueu e Mateus da escravidão do dinheiro; a adúltera e Madalena de colocar a felicidade apenas numa criatura; fez Pedro chorar depois da traição, e assegurou o Paraíso ao ladrão arrependido. Fazei que cada um de nós considere como dirigida a si mesmo as palavras que dissestes à mulher samaritana: Se tu conhecesses o dom de Deus! Vós sois o rosto visível do Pai invisível, do Deus que manifesta sua omnipotência sobretudo com o perdão e a misericórdia: fazei que a Igreja seja no mundo o rosto visível de Vós, seu Senhor, ressuscitado e na glória. Vós quisestes que os Vossos ministros fossem também eles revestidos de fraqueza para sentirem justa compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro: fazei que todos os que se aproximarem de cada um deles se sintam esperados, amados e perdoados por Deus. Enviai o Vosso Espírito e consagrai-nos a todos com a sua unção para que o Jubileu da Misericórdia seja um ano de graça do Senhor e a Vossa Igreja possa, com renovado entusiasmo, levar aos pobres a alegre mensagem proclamar aos cativos e oprimidos a libertação e aos cegos restaurar a vista. Nós Vo-lo pedimos por intercessão de Maria, Mãe de Misericórdia, a Vós que viveis e reinais com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém”  (Papa Francisco, Oração para o Jubileu Extraordinário da Misericórdia 8 de dezembro de 2015)

É a primeira vez que o Evangelho apresenta a Jesus falando interagindo com os mestres do templo com perguntas e respostas, e diante de Seu discurso deixa todos espantados e surpresos por Sua inteligência.

É interessante notar como a Sua primeira intervenção não é um simples ensinamento antes do qual os Seus interlocutores se encontram em silêncio para ouvir e basta. Ele, por outro lado, interage, dialoga, pergunta, ouve, responde e, nesse diálogo bastante dinâmico e animado, surpreende a todos, a ninguém exclui.

A Sua é uma Palavra que consegue tocar a todos, e isso é visto desde a primeira vez que Ele fala. Desde o início, Ele não só mostra a capacidade de personalizar o Seu diálogo com todos os que encontra em Seu caminho, mas também e, acima de tudo, manifesta o desejo de abordar a todos, porque Ele «quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (1 Tm 2,4). Todos precisam da salvação de Deus, e esta redenção atinge cada homem através da misericórdia divina revelada na face do Filho. «É por isso – disse Papa Francisco – que instituí um Jubileu Extraordinário da Misericórdia como um tempo favorável para a Igreja, para que seja mais forte e mais efetivo o testemunho dos fiéis» (Misericordiae vultus 3).

Tal convite é dirigido primeiramente à Igreja, porque é acima de tudo ela que «tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que através dela deve alcançar o coração e a mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo faz dela o comportamento do Filho de Deus que se dirige a todos sem excluir ninguém» (Misericordiae vultus 12).

Não há fragilidade ou fraqueza ou miséria humana que anule ou pare a misericórdia divina, mas, pelo contrário, «uma vez que se está revestido da misericórdia, mesmo que a condição de fraqueza para o pecado permaneça, é dominada pelo amor que permite que se veja além e viva de forma diferente» (Misericordia et misera 1).

É errado e um pouco enganoso pensar na ação misericordiosa de Deus como uma recompensa dada àqueles que abandonaram a sua miséria. A misericórdia de Deus nunca é conquistada ou paga muito caro, mas sempre é doada e oferecida gratuitamente a todos, para que cada um, como o filho pródigo, uma vez recoberto com as vestes mais bonitas do Pai que o aguarda desde o dia da sua partida, possa abraçar uma nova vida. Afinal, é a misericórdia de Deus que gera a conversão, não o contrário.

A conversão humana nunca será atrair e conquistar a misericórdia divina. É a experiência sempre gratuita e surpreendente do perdão de Deus que desencadeia no coração humano um verdadeiro e sincero desejo de conversão e mudança em uma nova vida. Tal anúncio vale para todos e para cada um, cada um em sua particularidade e condição única e pessoal.

Ninguém, absolutamente ninguém é excluído da misericórdia de Deus! Mesmo aqueles que, por várias razões, permanecem em um estado que não é adequado ao ideal evangélico, os braços do Pai misericordioso estão sempre abertos. Portanto, também «às pessoas divorciadas que vivem numa nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja, que “não estão excomungadas” nem são tratadas como tais, porque sempre integram a comunhão eclesial» (Al 243).

Atenção! Aqui não se está colocando em discussão a doutrina cristã sobre o dom da indissolubilidade do sacramento do matrimônio. A Igreja está bem ciente de que «Toda ruptura do vínculo matrimonial é contra a vontade de Deus» (Al 291), , porque a indissolubilidade matrimonial é «fruto, sinal e exigência do amor absolutamente fiel que Deus tem para o homem e que o Senhor Jesus vive para a sua Igreja» (Familiaris consortio 20).

Daí o apelo que o Papa Francisco aborda a toda a comunidade eclesial: «a preparação próxima como o acompanhamento mais prolongado devem procurar que os noivos não considerem o matrimônio como o fim do caminho, mas o assumam como uma vocação que os lança para diante, com a decisão firme e realista de atravessarem juntos todas as provações e momentos difíceis. Tanto a pastoral pré-matrimonial como a matrimonial devem ser, antes de mais nada, uma pastoral do vínculo, na qual se ofereçam elementos que ajudem quer a amadurecer o amor quer a superar os momentos duros. Estas contribuições não são apenas convicções doutrinais, nem se podem reduzir aos preciosos recursos espirituais que a Igreja sempre oferece, mas devem ser também percursos práticos, conselhos bem encarnados, estratégias tomadas da experiência, orientações psicológicas. Tudo isto cria uma pedagogia do amor, que não pode ignorar a sensibilidade atual dos jovens, para conseguir mobilizá-los interiormente. Ao mesmo tempo, na preparação dos noivos, deve ser possível indicarlhes lugares e pessoas, consultórios ou famílias prontas a ajudar, aonde poderão dirigir-se em busca de ajuda se surgirem dificuldades. Mas nunca se deve esquecer de lhes propor a Reconciliação sacramental, que permite colocar os pecados e os erros da vida passada e da própria relação sob o influxo do perdão misericordioso de Deus e da sua força sanadora» (Al 211).

Portanto, é urgente oferecer todos esses instrumentos necessários para que possamos viver e levar a plenitude o dom extraordinário da indissolubilidade do sacramento nupcial; e acima de tudo devemos conscientizar todos que Cristo «na celebração do sacramento do matrimônio, oferece um “coração novo”: assim os cônjuges podem não só superar a “dureza do coração”, mas também e sobretudo compartir o amor pleno e definitivo de Cristo, nova e eterna Aliança feita carne. Assim como o Senhor Jesus é a “testemunha fiel”, é o “sim” das promessas de Deus e, portanto, a realização suprema da fidelidade incondicional com que Deus ama o seu povo, da mesma forma os cônjuges cristãos são chamados a uma participação real na indissolubilidade irrevogável, que liga Cristo à Igreja, sua esposa, por Ele amada até ao fim» (Familiaris consortio 20).

Diante de toda essa grande riqueza de verdades extraordinárias do Evangelho e de diretrizes concretas e realistas de ordem pastoral, é necessário e fundamental perguntar-nos quanto tempo, quanto espaço e quantos recursos as nossas comunidades cristãs dedicam à pastoral pré-matrimonial e à matrimonial? É muito fácil responsabilizar inteiramente as muitas falhas matrimoniais nos ombros somente dos cônjuges.

Talvez seja importante como comunidade eclesial perguntar-se: Quanto acompanhamento e quanto discernimento os jovens casais conseguiram desfrutar antes de dar o grande passo de sua  sobretudo «os primeiros anos de matrimônio são um período vital e delicado, durante o qual os cônjuges crescem na consciência dos desafios e do significado do matrimônio. Daí a necessidade dum acompanhamento pastoral que continue depois da celebração do sacramento (cf. Familiaris consortio, parte III). Nesta pastoral, tem grande importância a presença de casais de esposos com experiência. A paróquia é considerada como o lugar onde casais especializados podem colocar à disposição dos casais mais jovens a sua ajuda, com o eventual apoio de associações, movimentos eclesiais e novas comunidades» (Al 223).

O mesmo cuidado e atenção devem ser dados a todas as situações familiares conflitantes. «Iluminada pelo olhar de Cristo, a Igreja “dirige-se com amor àqueles que participam na sua vida de modo incompleto, reconhecendo que a graça de Deus também atua nas suas vidas, dando-lhes a coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham”» (Al 291).

Ninguém jamais poderá delinear os limites da obra da graça divina, porque ela sempre age, onde quer que seja e além do imaginário humano. Na comunidade eclesial é necessário, no entanto, uma missão particular que o Papa Francisco ama interpretar deste modo: «creio sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa claramente a sua doutrina objetiva, “não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de sujar-se com a lama da estrada”» (Al 308).

Nos encontramos agora em um ponto central e nevrálgico da fé cristã em que é muito fácil cair em dois excessos: O primeiro, talvez culturalmente mais comum e generalizado, tende a minimizar qualquer estado matrimonial, desde que sua consciência esteja bem perante Deus; o outro, considerado agora mais retrógrado, distingue os chamados cristãos regulares daqueles em situações “irregulares”. Claramente nem um nem o outro excesso são colocados em linha nem com o ensinamento do Evangelho nem com o Magistério da Igreja.

O grande anúncio que Cristo trouxe ao mundo e que sempre devemos reiterar em todos os lugares e em cada momento é que Deus tem um Grande Sonho para todos, ninguém é excluído. Qual é o Grande Sonho de Deus para todos? Talvez seja melhor começar do que não é.

O sonho divino não é o matrimônio, não é a constituição da família. Eles são parte do Sonho, porque eles traçam a via, a estrada, o percurso, o itinerário, mas nunca constituem a meta final da vida de uma pessoa. Isso significa que aqueles que vivem plenamente o sacramento do matrimônio já experimentam na terra o aperitivo do objetivo final das núpcias eternas de Cristo com toda a humanidade.

Quem, no entanto, por várias razões vive sua existência terrena em uma situação de fragilidade humana em que seu próprio matrimônio sacramental é provado e atingido por feridas incuráveis nesta terra, não lhe será impedido o acesso ao banquete nupcial eterno, pelo contrário, talvez até mais em seu coração arderá de forte desejo por esse objetivo por causa de sua condição humana atual.

O que então é o Grande Sonho de Deus para todos, ninguém é excluído? As núpcias eternas com cada criatura humana! Por que na reflexão e, consequentemente, na pastoral da Igreja se afirmam as divergências para criar ambiguidade e confusão na mente dos cristãos? Porque muitas vezes olhamos para o Sonho de Deus da parte da terra e não da parte do céu.

Quando se observa um bordado de baixo, só se pode ver o enrolamento de muitos fios entrelaçados uns com os outros de um modo confusa e sem sentido. Em vez disso, olhando-o de cima, podemos ver com grande surpresa que, graças a esse desordenado entrelaçamento de fios, o design extraordinário é realizado, bordado com amor e paciência pela mão de Deus. Da mesma forma, poderemos perceber a beleza e a grandeza do Sonho de Deus apenas olhando-a do lado do eterno.

É aí que o convite do Papa Francisco vem precisamente na conclusão de Amoris laetitia: «contemplar a plenitude que ainda não alcançamos permite-nos também relativizar o percurso histórico que estamos a fazer como família, para deixar de pretender das relações interpessoais uma perfeição, uma pureza de intenções e uma coerência que só poderemos encontrar no Reino definitivo. Além disso, impede-nos de julgar com dureza aqueles que vivem em condições de grande fragilidade. Todos somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos nossos limites, e cada família deve viver neste estímulo constante. Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! Aquilo que se nos promete é sempre mais. Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida» (Al 325).

Além disso, aqueles que vivem na graça do sacramento do matrimônio também têm mais uma responsabilidade por situações de crises conjugais e familiares se é verdade que o sacramento do matrimônio, como o da ordem, é para a missão e a edificação da Igreja. De fato, «Estas situações “exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que as faça sentir discriminadas e promovendo a sua participação na vida da comunidade. Cuidar delas não é, para a comunidade cristã, um enfraquecimento da sua fé e do seu testemunho sobre a indissolubilidade do matrimônio; antes, ela exprime precisamente neste cuidado a sua caridade”» (Al 243).

Portanto, a indissolubilidade matrimonial não é um dom apenas para os esposos, mas é para toda a comunidade e especialmente para aqueles que vivem a ferida de seu casamento em crise.

Em outras palavras, se é verdade que os cônjuges, em virtude da graça nupcial, vivem a força de sua comunhão com o divino, uma força tão irreprimível não pode se fechar entre eles ou dentro dos muros familiares de sua família, mas por sua natureza se estende em todos os lugares e faz com que todos desfrutem, ainda mais do que aqueles que vivem dramas conjugais e familiares, o bálsamo da comunhão, da ternura e da compaixão de Deus que atravessam o envenenamento de sua indissolubilidade conjugal.

A indissolubilidade é, portanto, um grande presente para toda a Igreja, porque comunica a todos o eterno e fiel amor de Deus em Cristo Jesus.

Em Família

Para Refletir

1.  Em que sentido o dom da indissolubilidade conjugal não é só para os esposos, mas para toda a comunidade eclesial?

2.  O que deve ser oferecido a um jovem casal que bate a porta da Igreja para pedir o sacramento do matrimônio?

Prática

1.  Como as famílias podem se tornar o sujeito responsável pela pastoral pré-matrimonial e matrimonial em nossas comunidades eclesiais?

2. Em que sentido e como os cônjuges são chamados a dar uma contribuição preciosa e única para as muitas famílias feridas por todo gênero de crise e de fragilidade conjugal?

Na Igreja

Para Refletir

1. Qual é o Grande Sonho de Deus para todos, ninguém é excluído?

2. Quanto tempo, quanto espaço e quantos recursos nossas comunidades cristãs dedicam à pastoral pré-matrimonial e à pastoral matrimonial?

Prática

1. Que tipo de pastoral de acompanhamento, discernimento e integração é chamada a comunidade cristã para colocar em prática diante de tantas famílias feridas por todo tipo de crise e de fragilidade conjugal?

2. Quais são as dificuldades encontradas na pastoral diante dos que se sentem um pouco excluídos da comunidade eclesial por causa de suas particulares situações conjugais e familiares? Quais são as propostas concretas para um verdadeiro anúncio do Grande Sonho de Deus para eles?

2. Quais são as dificuldades encontradas na pastoral diante dos que se sentem um pouco excluídos da comunidade eclesial por causa de suas particulares situações conjugais e familiares? Quais são as propostas concretas para um verdadeiro anúncio do Grande Sonho de Deus para eles?

 

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